quarta-feira, 31 de março de 2010

TEMPO DA ORDEM

Exercício proposto no último encontro...
Linkar o texto com processos do seu cotidiano. Imagem, áudio, vídeo, escrita, fala, passagens, prática, tantos outros possíveis...





11 de maio de 1905

Caminhando pela Marktafasse, vê-se uma imagem assombrosa. As cerejas nas bancas de frutas estão alinhadas em fileiras, os chapéus na chapelaria estão empilhados impecavelmente, as flores nas sacadas arranjadas em perfeita simetria, não há migalhas no chão da padaria, não há leite derramado no piso de pedra da despensa. Nada está fora de lugar.

Quando um grupo alegre deixa um restaurante, as mesas estão mais limpas do que antes. Quando um vento sopra suavemente na rua, a rua fica limpa, a sujeira e a poeira são levadas para a periferia da cidade. Quando a maré explode na costa, a costa se reconstrói. Quando as folhas caem das árvores, as folhas alinham-se como uma revoada de pássaros em formação V. Quando as nuvens adquirem forma de rosto, os rostos permanecem. Quando um cano solta fumaça em uma sala, a fuligem concentra-se em um dos cantos, deixando o ar limpo. Sacadas pintadas expostas ao vento e à chuva ficam mais brilhantes com o passar do tempo. O estrondo do trovão faz um vaso quebrado restaurar-se, os cacos de uma peça de louça saltarem de volta para as posições exatas onde cabem e se encaixam. A fragrância de uma carroça de canela aumenta com o tempo, não se dissipa.

Estes acontecimentos parecem estranhos?

Neste mundo, a passagem do tempo faz aumentar a ordem. Ordem é a lei da natureza, a tendência universal, a direção cósmica. Se ótimo é uma flecha, esta flecha aponta para a ordem. O futuro é padrão, organização, união, intensificação; o passado é acaso, confusão, desintegração, dissipação.

Filósofos argumentam que, sem uma tendência no sentido de ordem, o tempo não teria significado. O futuro não poderia ser diferenciado do passado. Sequências de eventos seriam apenas inúmeras cenas aleatórias de milhares de romances. A história seria indefinida, como a bruma que lentamente se acumulou em torno dos cumes das árvores durante a noite.

Em um mundo como este, as pessoas com casas bagunçadas ficam deitadas em suas camas esperando que as forças da natureza soprem a poeira dos seus parapeitos e arrumem os sapatos em seus armários. As pessoas cujos negócios são desorganizados, podem sair e fazer um piquenique enquanto suas agendas são ordenadas, suas reuniões marcadas, suas contas equilibradas. Batons e pincéis e cartas podem ser jogadas dentro das bolsas com satisfação de que se ajeitarão automaticamente. Jardins nunca precisam ser desbastados, ervas daninhas nunca precisam ser arrancadas. Escrivaninhas ficam organizadas ao final do dia. Roupas deixadas no chão à noite encontram-se penduradas em cadeiras na manhã seguinte. Meias perdidas reaparecem.

Se um viajante chega a uma cidade n primavera, Vê outra imagem assombrosa. Pois na primavera as pessoas ficam cansadas de tanta ordem em suas vidas. Na primavera, as pessoas viram furiosamente suas casas de pernas para o ar. Varrem sujeira para dentro, destroem cadeiras, quebram janelas. Na Aarbergergasse, ou qualquer outra avenida residencial, ouve-se, na primavera, os sons de vidro quebrado, gritos, uivos, risadas. Na primavera, as pessoas se encontram sem combinar, queimam suas agendas, jogam fora seus relógios, bebem a noite interia. Este descontrole continua até o verão, quando as pessoas recuperam o juízo e voltam à ordem.

LIGHTMAN, Alan. Sonhos de Einstein. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Nenhum comentário:

Postar um comentário