quarta-feira, 31 de março de 2010

ME USE...

PROJETO “ME USE”

A facilidade de veiculação de imagens leva a desapropriação dos significados existentes na origem de uma imagem. Quando esse processo dá-se com imagens de pessoas, os significados perdidos, desviados ou modificados transformam uma imagem pessoal e personal em uma representação rasa e distante de sua fonte primária.
É inevitável para o ser humano, mesmo em atitude performática, transpor sua personalidade, sua expressividade através da sua imagem. Sabendo disso, propagandear sua expressividade ou fazer-se aceitar dentro de uma expressividade através da imagem é atitude corrente em praticamente todas as culturas e em todas as épocas. Das moedas forjadas com as faces de reis e rainhas, passando pelos retratos (idealizados) pintados e esculpidos sob encomenda para figuras abastadas e pela fotografia de moda, até as fotografias pessoais feitas em webcam’s e celulares.

O diálogo entre o ser humano e sua própria imagem está sempre presente na comunicação e diante das forças tecnológicas atuais passa a ser tratado como produto barato, produto de brinde. Isso porque, quanto maior o número de imagens circulando, menor seu valor. Assim, o indivíduo parece caminhar para a desvalorização da própria imagem. Nossa imagem é um brinde para colocar no chaveiro, um vídeo requisitado na rede, uma foto 3X4 nas colunas do tablóide, uma estampa em camisetas amontoadas nas lojas de departamento.

Essa queda de valor da imagem traz também como conseqüência a perda de credibilidade que a imagem possuía. A frase “uma imagem vale por mil palavras” há muito se tornou obsoleta. E um ser humano numa fotografia muitas vezes não é necessariamente a representação confiável de um ser humano numa fotografia. Note-se o processo em que uma imagem transforma-se em um ícone. A massa consumidora de imagens, ao receber uma quantidade avassaladora de imagens de um mesmo tema, figura ou pessoa, transpõe essa informação para seu campo afetivo. De modo que o aparecimento “mágico” de um outdoor com a fotografia agigantada de uma pessoa já reproduzida à exaustão e jamais conhecida em presença, em realidade, não assusta. Pois essa pessoa é virtual, não existe para a realidade de todos, é intocável, é um ícone.

A simples inversão do acontecimento descrito acima já causa um desconforto tal que pede uma reorientação por parte do público. A imagem de um desconhecido reproduzida e publicada, estampada ou demonstrada não é um ato imediato de iconização. O primeiro contato de alguém que vê um indivíduo usando "ME USE" é não reconhecer o rosto da camiseta. Afinal, por que alguém usaria a imagem de um rosto que não é famoso, que EU não conheço? Posteriormente a isso vem à ligação com as camisetas dos outros performers e a inevitável percepção de que a imagem de uma pessoa possui um referencial material e alcançável.

É interessante notar também como à medida que o número de imagens e a facilidade de veiculação crescem, o ser humano passa a relacionar-se cada vez mais virtualmente. Sendo que essa virtualidade não se dá apenas no trato com novas tecnologias, mas também nas relações diretas e fisicamente evidentes. A solidão dentro da multidão.

O primeiro contato “real” entre quaisquer indivíduos e na maioria dos casos tem seu primeiro passo na imagem, retiniana ou de forma (shape). Essa desvalorização da imagem e sua perda de crédito fazem com que a imagem de uma pessoa deixe de ser uma coisa pessoal, desvincula a imagem de um indivíduo de sua personalidade.

O projeto “Me Use” utiliza-se de certo nível de ironia para levar à reflexão sobre essas questões. Ao estampar a imagem de vários indivíduos distintos em camisetas de maneira padronizada transpõe essas imagens diretamente para o papel de produto, de brinde, de objeto desvinculado de personalidade. Porém, ao fazer com que todas essas imagens transformadas em objetos sejam “usadas” no mesmo ambiente e ao mesmo tempo, onde todas as pessoas transpostas nos objetos estão presentes e vestem uma dessas imagens, leva ao embate da ação de desvincular uma imagem de sua origem com essa mesma origem. E esse embate dá-se exatamente através do convívio comum num ambiente público, de maneira que atinge o público já em seu convívio comum, por isso a necessidade da atitude do performer não ser coreografada.

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