quarta-feira, 31 de março de 2010

ENTREVISTA....



... COM PAULO SÉRGIO DUARTE

(ENVIADO PELA LUDMILLA/DISPONÍVEL EM: http://www.itaucultural.org.br/index.cfm?cd_pagina=2720&cd_materia=848)

Por Mariana Sgarioni | Fotos Cia de Foto

Como é possível classificar uma obra de arte? De que maneira essa obra se torna reconhecida? E, afinal de contas, o que pode ser chamado de arte? Por mais que estejam presentes em várias discussões sobre cultura, essas questões dificilmente são respondidas de forma objetiva. "Não espere uma resposta certeira e matemática", brinca Paulo Sergio Duarte, curador da exposição Rumos Artes Visuais - Trilhas do Desejo, que apresenta, até maio, no Itaú Cultural, em São Paulo, os artistas premiados na edição 2008-2009 do programa.

Além de curador, Duarte é crítico, professor de história da arte e pesquisador do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro. Desde 1973, vem se debruçando em leituras e estudos sobre a produção contemporânea. Na época estava radicado em Paris por causa do regime militar brasileiro e escreveu seu primeiro artigo sobre o artista Antonio Dias. A partir daí, publicou livros, deu aulas, e é hoje uma referência no que diz respeito à arte brasileira. Neste mês, lança seu livro, Arte Brasileira Contemporânea - Um Prelúdio (Silvia Roesler Edições de Arte e Plajap), que virá acompanhado de CD-ROM e DVD dirigido por Murilo Salles. "Resolvi explicar a arte para meus amigos engenheiros, advogados e médicos", diverte-se este bem-humorado paraibano que mora no Rio de Janeiro, referindo-se ao didatismo de sua obra. Com o mesmo bom humor e um caldeirão de referências históricas, Duarte pontua esta entrevista com observações como "a arte deve nos mobilizar, mostrar que somos incompletos, que nos falta alguma coisa. Isso sim é arte".

O que é ser contemporâneo? Qual é o limite da modernidade?
Há fatores que indicam que certos limites foram alcançados na modernidade. Do ponto de vista moral e ético, há o limite dado por dois fenômenos históricos marcantes: o holocausto e as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. O holocausto porque nunca antes uma máquina do Estado havia sido colocada a serviço de uma ideologia que pretendia a pureza étnica e que sacrificou 6 milhões de pessoas. O outro limite (o das bombas) é dado quando os Estados Unidos, a maior democracia do mundo, a mais avançada estrutura política e econômica, decidem matar dezenas de milhares de civis em poucos segundos para acabar com a Segunda Guerra. No campo da arte, a maturidade da modernidade se dá logo no início do século XX. Vemos três aspectos completamente diferentes. O primeiro é dado por um sujeito da razão. Ele atua na arte acreditando fortemente nas conquistas da ciência e da técnica e pensa que isso pode resultar num universo mais harmonioso, numa vida melhor. Esse horizonte é marcado pelo movimento construtivista. Um segundo ponto é o sujeito da vontade, que critica esse universo da razão, aponta para a sociedade e mostra que toda a ciência e a técnica não melhoraram a vida. É uma forma de romantismo que se manifesta com muita clareza no predomínio dos valores da existência humana sobre os puramente racionais, e que é muito forte no expressionismo alemão. Essa linha é bastante clara em todo o século XX. Um terceiro aspecto, que tem grande força até hoje, é o sujeito da crítica radical da cultura. Ele aparece na Primeira Guerra, no dadaísmo, que se desdobra no surrealismo. Trata-se de uma clara negação de que os valores racionais governam o ser humano. Para essa corrente, somos governados por forças interiores às quais não temos acesso. É o inconsciente, impregnado pela descoberta freudiana. A questão trazida por Duchamp é tão importante que merece um capítulo à parte. Embora ele atue na crítica radical da cultura, também coloca problemas do ponto de vista cognitivo e até epistemológico da arte. Sua contribuição tem sido subestimada por diversos críticos, mas seu valor é o de colocar limites no que é arte, onde ela termina e onde começa o que não é arte. É preciso uma leitura mais detalhada de Duchamp do que essa que vem sendo feita hoje - colocam-se as conquistas desse artista de uma forma prosaica, quando não, leviana.

Como é possível estabelecer parâmetros de avaliação para a arte?
Toda avaliação estética foi e vai ser um juízo de valor. Se assim é, ela será sempre de natureza subjetiva. Não existem critérios objetivos, nem houve, nem nunca vai haver, para avaliar uma obra de arte, seja ela qual for. O que existem são consensos, que são estabelecidos por uma coletividade que está de acordo com certos valores. Um exemplo: a Nona [sinfonia] de Beethoven. Pode-se tocar essa música no Japão, na África do Sul, no Marrocos, nos Estados Unidos ou no Brasil que sempre vai haver um consenso. Ou seja: grande quantidade de pessoas estará de acordo que aquela música tem valor, agrada, é importante. Antes de escutar aquilo, a pessoa era uma. E, depois de escutar, ela virou outra, percebendo ou não essa mudança. O critério de avaliação é dado, também, pela experiência da arte. Não há outra forma de acesso à arte que não seja fluindo a sua experiência. Posso ter a experiência da queda de um corpo sem me jogar da janela. Mas não posso "fazer" a experiência de uma música, um poema, um romance, uma pintura, uma instalação sem ter fluido aquela experiência. A descrição de um poema não é o poema. A fotografia de uma pintura não é a pintura. A escrita da pauta da música não é a música. Com base na experiência da arte se chega aos consensos. Grande quantidade de pessoas percebe que aquela experiência é importante, que determinada obra é melhor que outra. Existe a possibilidade de demonstrar isso como uma equação matemática? Não. Mas temos valores históricos estabelecidos em padrões que dizem que uma obra é melhor que outra. São critérios subjetivos armazenados numa experiência coletiva. Então, para estabelecer que um trabalho artístico é melhor ou pior que outro, em primeiro lugar é preciso ver a experiência coletiva de um consenso que se reúne em torno de determinadas obras. Essa experiência da arte só se faz pela repetição. Quem vai a uma exposição uma vez por ano não entende de arte. Quem lê um livro de poesia por ano e diz que gosta de poesia não entende desse gênero. Quem gosta de música e não a escuta todo dia por falta de tempo não tem a experiência da música. Pode até gostar, mas não tem a experiência. A repetição é fundamental. Os conceitos se formam pela repetição da experiência. Portanto: não existe critério objetivo, mas existe a possibilidade de reunir consensos em torno de certas questões.

Como o senhor avalia o cenário da arte contemporânea brasileira e como o país se insere no contexto mundial?
A arte contemporânea tem uma história e é um processo que vem desde cinco décadas. A arte brasileira é uma das que têm mais vitalidade no mundo contemporâneo. Ela tem o poder de compreender claramente o seu tempo. Isso se dá numa experiência radical de passagem da modernidade à contemporaneidade, materializada na obra de dois artistas: Lygia Clark e Hélio Oiticica. Há outros desdobramentos positivos nos anos 1970, com obras de Antonio Dias, Waltercio Caldas, Cildo Meireles, Tunga, José Resende e Carmela Gross. São configurações muito poderosas do mundo presente. Isso veio alimentando as gerações mais jovens, sempre estimuladas por eles, que foram elaborando suas próprias questões. O que dificulta uma maior clareza da força da arte contemporânea brasileira é o vazio institucional que o país vive. A produção contemporânea tem presença rarefeita nos principais museus do Brasil. Coisas estão acontecendo, como o Centro de Arte Contemporânea de Inhotim (MG), mas ainda falta um peso, uma densidade. No contexto mundial, está começando a haver um reconhecimento, artistas brasileiros estão sendo citados em bibliografias internacionais do universo acadêmico. Hoje já existe um importante acervo brasileiro lá fora. A aquisição da coleção Adolpho Leirner [pelo Museum of Fine Arts, Houston, Estados Unidos] é significativa, e um artista vivo e atuante como Cildo Meireles ter uma exposição retrospectiva na Tate Modern, Londres [encerrada em janeiro], é um reconhecimento da contribuição dessa arte contemporânea. Duas obras que estão entre as melhores de arte contemporânea que vi nos últimos tempos são de artistas brasileiros: a instalação de Tunga A Luz de Dois Mundos, no Louvre, Paris, em 2005, e Babel, de Meireles, na Tate. São obras que representam o melhor que existe em arte e política nos dias de hoje: não são panfletárias, são indiretas, com uma crítica contundente à situação do mundo atual.

É possível identificar alguma particularidade da arte contemporânea brasileira no plano global?
Tenho certa dificuldade de indicar traços tipicamente brasileiros na arte mais atual. Existe até um esforço, há gente rastreando isso. Uma das recentes teorias seria a da improvisação, a capacidade de improvisar. Mas isso não é bem brasileiro, é de todo o terceiro mundo. Ocorre em todo lugar, não é uma exclusividade nossa. A "arte da gambiarra", como se diz, é apontada como uma característica nacional. Eu não acho. Os grandes artistas brasileiros, aliás, não se caracterizam por essa improvisação. Há muito cálculo, estudo. Creio que é brasileiro porque é feito aqui, só por isso.

[entenda o que é gambiarra lendo o Glossário realizado pelo crítico Guy Amado para esta edição]

Qual o caminho que essa arte aponta?
Não tenho capacidade para apontar nenhum horizonte. Mas acredito que haja alguns fenômenos negativos, entre eles a questão do mercado. Quando a arte se torna uma commodity, ela é exemplo da mercadoria por excelência, passa a se constituir como um atrativo diferente do que era antes, quando era somente uma produção de conhecimento que não se podia ter por meio da ciência nem da religião. Quando passa a ser um símbolo de vigor e poder de um tipo de sociedade, ela vira a mercadoria maior. Em segundo lugar, há uma entrada muito forte do universo da arte na indústria do lazer e do entretenimento, coisa que não existia antes. Os museus não eram projetados como são agora: a Tate Modern esperava no primeiro ano de funcionamento 1 milhão de visitantes. Teve 5 milhões. Quando se chega a esses números, evidentemente a arte passa a ocupar um lugar diferente do que ocupava antes. Isso traz coisas muito positivas e muito negativas. Uma das positivas é a dessacralização: vai-se a uma exposição como quem liga o rádio em casa. O lado negativo é que essa massificação não implica a realização da experiência da arte, que falei anteriormente. O fato de passar em frente da Mona Lisa não quer dizer que você a viu. É preciso uma retomada da arte como um conhecimento que só ela pode nos dar. Não sei onde vai dar isso. Sinto-me tão perdido quanto qualquer leigo diante do horizonte contemporâneo do mundo.

Mas existem tendências...
Sim, claro. O que vemos agora, por exemplo, é o império da imagem. Seja fixa ou em movimento. Daí o peso enorme da fotografia e do vídeo na arte contemporânea. São veículos imagéticos que a pessoa olha e se identifica imediatamente. Esse império herdado do mundo da publicidade, da indústria da comunicação, é uma tendência evidente. Outra coisa que é muito clara é a vocação para o espetáculo, para o espetacular. Não há como deixar de ver certas coisas. O artista cria uma escultura de 15 metros de altura, o público se mobiliza para vê-la, lógico. Uma queda-d'água numa cabaninha, que se tem de olhar através de um orifício, é uma coisa. Mas uma cachoeira inteira no Rio Hudson, que custou 20 milhões de dólares, faz com que seja inevitável que vejam aquilo, vai chamar atenção. Há, ainda, uma inteligência cromática característica. O Brasil é herdeiro de uma tradição recente, mas muito rica, materializada nas obras de Volpi, uma grande inteligência cromática. As paletas de hoje são mais decididas, cores que vacilam menos. Em compensação, perdem em sutilezas e nuances. São cores afirmativas, vêm da experiência cotidiana, do monitor da televisão, do outdoor publicitário. Isso gera outra percepção.

E a tecnologia, também não é uma tendência?
É inevitável que um garoto formado no universo digital, que jogue videogame diariamente, ao se tornar artista, transporte essa experiência perceptiva para a obra. São experiências acústicas, sonoras e visuais que ele teve na infância. Isso não muda em nada o que temos que exigir de uma obra de arte: de que maneira aquele objeto altera a minha experiência depois que eu o experimento. O que aquilo me mobiliza, o que anuncia, o que me falta. Muitas vezes o papel da obra de arte é apontar algo que falta em mim mesmo. A obra não vai me preencher, mas apontar que não estou completo, pois sequer eu imaginava que essa experiência seria possível. Ou seja, não sou completo como pensava que era. Estou cheio de vazios e a obra está lá para mostrá-los. A graça da arte é apontar para nossas incompletudes e isso independe do meio: pode ser uma estátua de mármore grega ou um jogo de videogame. Se tiver força poética, a obra vai permitir essa

LOCAL

Atendendo aos pedidos:

Nosso ponto de encontro agora é a sala do NEPESP no Cemuni VI.
Mesmo bat horário!

Rodrigo Braga

http://www.rodrigobraga.com.br/




ÉTICA

Post... para complementar a discussão acerca de Arte Contemporânea que rolou no último encontro.

Trechos do texto ÉTICA - Leila Domingues Machado

TEXTO COMPLETO DISPONÍVEL EM: http://www.prppg.ufes.br/ppgpsi/livros.html

"A idéia de ética se reveste e atualiza o significado das palavras gregas
êthos que significava caráter, índole, temperamento, modo de ser e éthos que
significava hábitos, usos, costumes de uma pessoa 4. Ética seria a educação
do caráter visando a felicidade, a vida justa e livre, o que para os gregossomente seria possível como vida política. A ética estaria referida a um juízo
de apreciação, um exercício de pensamento e escolha entre o que seria
considerado como bom e como mau. Moral é uma palavra que vem do latim -
mores - e significa costumes, configurando-se como as regras e valores
sociais, um conjunto prescritivo baseado em concepções de bem e de mal
que viriam conduzir de forma absoluta, categórica - o Bem válido para todos
em qualquer tempo e lugar - ou relativa, derivada - um bem válido para um
grupo ou para uma época - as ações de cada um."


"É importante ressaltar, contudo, que ao longo da história não nos
defrontamos com uma mesma visão de ética e de moral enquanto conceitos
que teriam permanecido iguais ou teriam se aprimorado com o tempo. Há em
torno da ética e da moral um campo de problemática. Uma das questões que
compõe esse debate refere-se aos pares bem/mal e bom/mau."

"Ética e moral se entrecortam, se misturam e se distanciam, expressam um jogo de forças que assume formas variadas em cada época."

"A ética não seria uma reprodução mas uma criação, não seria uma aplicação de regras
preestabelecidas mas o uso de regras facultativas 11, um processo de
pensamento e não a efetuação de soluções preconcebidas. Tal como
indicamos anteriormente, se a ética é um exercício de pensamento, ela deveria
excluir processos de reprodução-manutenção dos preconceitos."

"Poderíamos conceber o pensamento, como nos sugere Deleuze, como
algo que se agencia nos encontros, nas conexões e não pertence a ninguém.
O pensamento concebido como um fluxo, como elemento de disjunção."

"A ética seria um exercício da liberdade ou a própria experiência de liberdade. O que não quer dizer livre-arbítrio ou uma escolha entre o Bem e o Mal. A liberdade se configura quando nossa potência de agir aumenta junto das produções coletivas e é contrária à servidão ou ao desejo de nos apropriarmos do outro. Viver a alteridade não pressupõe apropriações de espécie alguma, nem de si e nem do outro, pois seria a experiência da produção de diferenças, tanto com relação a si mesmo quanto nas relaçõescom o mundo."

"O outro presente na idéia de alteridade expressa um diferir, uma outra forma diversa da atual. O que também não nos faz pensar o coletivo enquanto um agrupamento social ou a composição de várias individualidades."

"Seria preciso uma luta constante contra tudo o que
nos separe da vida. A expansão da vida seria um desmanchar das formas
dadas, do que se tornou instituído e permanece movendo processos
burocratizantes com relação aos valores, às regras, ao trabalho, ao amor, à
amizade... Processos de endurecimento que nos impedem de nos arriscarmos,
de nos despojarmos dos preconceitos para experimentarmos outras formas de
pensar e de viver, que nos cega, cala, ensurdece ou nos torna insensíveis
frente à multiplicidade que marca o que nos acontece, que nos faz reproduzir
modelos legitimados mesmo que esses coloquem em funcionamento exercícios
de dominação."

"Como falar do presente sem sucumbir a uma descrição da servidão?
Como viver o presente sem sentir-se escravo da soberania do neo-liberalismo
e da globalização? Pensamos ser importante estabelecer uma análise do
contemporâneo através de uma perspectiva ética."

"exercício crítico nos conduziria a tentativas constantes de transformações, porém sem ideais, ou seja, não houve um passado perfeito e nem haverá um futuro perfeito. Cada época inventa suas glórias e suas tormentas, neste sentido, o “ativismo” precisaria ser constante, questionador das formas dadas, não em nome de um suposto ideal e sim como um exercício contínuo de transformações não finalistas."

"Enfim, os problemas e as soluções não são eternos, são forjados na
complexidade dos jogos de forças que se atualizam e assumem formas
variadas a cada momento. Assim, as verdades são provisórias e aparecem
tanto como instrumento de dominação quanto de resistência."

ME USE...

PROJETO “ME USE”

A facilidade de veiculação de imagens leva a desapropriação dos significados existentes na origem de uma imagem. Quando esse processo dá-se com imagens de pessoas, os significados perdidos, desviados ou modificados transformam uma imagem pessoal e personal em uma representação rasa e distante de sua fonte primária.
É inevitável para o ser humano, mesmo em atitude performática, transpor sua personalidade, sua expressividade através da sua imagem. Sabendo disso, propagandear sua expressividade ou fazer-se aceitar dentro de uma expressividade através da imagem é atitude corrente em praticamente todas as culturas e em todas as épocas. Das moedas forjadas com as faces de reis e rainhas, passando pelos retratos (idealizados) pintados e esculpidos sob encomenda para figuras abastadas e pela fotografia de moda, até as fotografias pessoais feitas em webcam’s e celulares.

O diálogo entre o ser humano e sua própria imagem está sempre presente na comunicação e diante das forças tecnológicas atuais passa a ser tratado como produto barato, produto de brinde. Isso porque, quanto maior o número de imagens circulando, menor seu valor. Assim, o indivíduo parece caminhar para a desvalorização da própria imagem. Nossa imagem é um brinde para colocar no chaveiro, um vídeo requisitado na rede, uma foto 3X4 nas colunas do tablóide, uma estampa em camisetas amontoadas nas lojas de departamento.

Essa queda de valor da imagem traz também como conseqüência a perda de credibilidade que a imagem possuía. A frase “uma imagem vale por mil palavras” há muito se tornou obsoleta. E um ser humano numa fotografia muitas vezes não é necessariamente a representação confiável de um ser humano numa fotografia. Note-se o processo em que uma imagem transforma-se em um ícone. A massa consumidora de imagens, ao receber uma quantidade avassaladora de imagens de um mesmo tema, figura ou pessoa, transpõe essa informação para seu campo afetivo. De modo que o aparecimento “mágico” de um outdoor com a fotografia agigantada de uma pessoa já reproduzida à exaustão e jamais conhecida em presença, em realidade, não assusta. Pois essa pessoa é virtual, não existe para a realidade de todos, é intocável, é um ícone.

A simples inversão do acontecimento descrito acima já causa um desconforto tal que pede uma reorientação por parte do público. A imagem de um desconhecido reproduzida e publicada, estampada ou demonstrada não é um ato imediato de iconização. O primeiro contato de alguém que vê um indivíduo usando "ME USE" é não reconhecer o rosto da camiseta. Afinal, por que alguém usaria a imagem de um rosto que não é famoso, que EU não conheço? Posteriormente a isso vem à ligação com as camisetas dos outros performers e a inevitável percepção de que a imagem de uma pessoa possui um referencial material e alcançável.

É interessante notar também como à medida que o número de imagens e a facilidade de veiculação crescem, o ser humano passa a relacionar-se cada vez mais virtualmente. Sendo que essa virtualidade não se dá apenas no trato com novas tecnologias, mas também nas relações diretas e fisicamente evidentes. A solidão dentro da multidão.

O primeiro contato “real” entre quaisquer indivíduos e na maioria dos casos tem seu primeiro passo na imagem, retiniana ou de forma (shape). Essa desvalorização da imagem e sua perda de crédito fazem com que a imagem de uma pessoa deixe de ser uma coisa pessoal, desvincula a imagem de um indivíduo de sua personalidade.

O projeto “Me Use” utiliza-se de certo nível de ironia para levar à reflexão sobre essas questões. Ao estampar a imagem de vários indivíduos distintos em camisetas de maneira padronizada transpõe essas imagens diretamente para o papel de produto, de brinde, de objeto desvinculado de personalidade. Porém, ao fazer com que todas essas imagens transformadas em objetos sejam “usadas” no mesmo ambiente e ao mesmo tempo, onde todas as pessoas transpostas nos objetos estão presentes e vestem uma dessas imagens, leva ao embate da ação de desvincular uma imagem de sua origem com essa mesma origem. E esse embate dá-se exatamente através do convívio comum num ambiente público, de maneira que atinge o público já em seu convívio comum, por isso a necessidade da atitude do performer não ser coreografada.

ME USE








Coletivo Monográfico





O ajuntamento artístico hoje nomeado “COLETIVO MONOGRÁFICO” é um subterfúgio para colaborações e práticas entre grupos, salões de arte e artistas, das mais distintas áreas de produção, no Estado, no país e em outros países. Pensado para ser um ponto de apoio para realização de ações coletivas e performáticas, hoje o C.M. pensa em ampliar suas redes de contato, e assim estar acessível à realização de trabalhos distintos a sua atual linha autoral, para que não o isolem de qualquer categoria e/ou produção artística.

O C.M. transpassa os comuns problemas de realização de obras de arte ao fazer uso da atual estrutura de comunicação, onde o proponente de uma idéia pode levá-la até qualquer ponto do globo e assim expandir suas possibilidades com proposições antes alheias ao seu conhecimento. Desse modo o artista coloca-se mais próximo de um ideal de realização contemporânea, no qual este artista poda realizar seu trabalho em lugares onde não possa estar fisicamente, exatamente por contar com essa rede de realização, onde também se poderá usufruir de uma contrapartida de igual valor.

Inicialmente formado pelos artistas - Horrana D’Kássia Santoz, Rodrigo Hipólito e Tete Rocha, o C.M. percebeu a urgência em se estabelecer diálogos com outros artistas e suas produções; que em uma rede expansiva de trabalho, pode expandir as possibilidades de artistas com dificuldade de realização de suas propostas em suas cidades e torná-los imediatamente em artistas internacionais, assim como seus trabalhos.

Assim, colaboradores, participantes, ajudantes, em todas as instâncias possíveis, formam o COLETIVO MONOGRAFICO, que por ideal não pretende ser vitrine de realização de poucos artistas, mas de todos que se assumirem “agregados” nessa experiência.

É interessante observar que a colaboração entre os entes do COLETIVO MONOGRÁFICO dava-se em certo grau já antes da verbalização dessa idéia/grupo e assim também aparenta caminhar com novos contatos, parcerias e interesses. Esse processo de interação possa ser talvez melhor explicitada quando se nota os demais grupos dos integrantes iniciais do CM.

Horrana de Kássia e Rodrigo Hipólito formam o DUOsantos, assim como Horrana de Kássia, Tete Rocha, Joanna Nolasco e Joani Caroline formam o Mimosas Pudicas (além da participação em diversos outros grupos, o que certamente não é uma exceção no atual cenário de arte e cultura). Quando surge uma proposta de obra que faz o diálogo entre Tete Rocha e Rodrigo Hipólito ocorre uma confluência. Nesse sentido é razoável dizer que “o coletivo monográfico contém/está–contido Mimosas Pudicas contém/está-contido DUOsantos...”.

O CM nada mais é que uma página da exemplificação do óbvio. O que poderia configura-se como grande ofensa torna-se demais elogioso quando compreende-se que esse óbvio encontra-se ainda em grande parte encoberto por vontades de compreender um obtuso inexistente (ou inacessível na prática). Uma rede abrangente de comunicação é citada em textos e obras há de quatro décadas na arte, porém pouco utilizada para facilitar sua produção e difusão e menos ainda compreendida como se apresenta (mesmo quando utilizada).

Não se trata de alguma estratégia de ação, seria por demais redundante. A estratégia já existe há muito e é a própria rede de interesses que forma o sistema de arte e talvez a comunicação como um todo na atualidade. Uma opinião, uma idéia, uma proposta, sempre será compartilhada por grupos que a possuam em seu campo de interesses. A qualidade de sua realização depende sempre da abrangência, suporte e acessibilidade dos interessados. Diante disso o CM não possui a vã pretensão de criar uma nova forma de interação, mas de atuar como facilitador na acessibilidade a campos de interesse dentro de sua abrangência. Ao agir dessa forma toda a idéia, proposta ou projeto possui maior chance de realizar-se e infinitas possibilidades de desdobramento (idéias ativas, mutáveis e epidêmicas).

É possível ainda visualizar a perspectivas de possibilidades com um exemplo bastante simples: jovens de um grupo de arte alemão realizam uma ação em seu país e em alguma rede de interesses esses registros atingem outro grupo de arte no Brasil. Nesse momento simples para o grupo brasileiro lançar a proposta ao grupo alemão de realizar sua proposta no Brasil (possibilidade a qual eles provavelmente ainda não havia cogitado) em nome do coletivo alemão e em contrapartida terem uma proposta sua realizada na Alemanha, em nome do coletivo brasileiro#.

O CM acredita que toda a idéia é realizável em seus níveis mais amplos.

TEMPO DA ORDEM

Exercício proposto no último encontro...
Linkar o texto com processos do seu cotidiano. Imagem, áudio, vídeo, escrita, fala, passagens, prática, tantos outros possíveis...





11 de maio de 1905

Caminhando pela Marktafasse, vê-se uma imagem assombrosa. As cerejas nas bancas de frutas estão alinhadas em fileiras, os chapéus na chapelaria estão empilhados impecavelmente, as flores nas sacadas arranjadas em perfeita simetria, não há migalhas no chão da padaria, não há leite derramado no piso de pedra da despensa. Nada está fora de lugar.

Quando um grupo alegre deixa um restaurante, as mesas estão mais limpas do que antes. Quando um vento sopra suavemente na rua, a rua fica limpa, a sujeira e a poeira são levadas para a periferia da cidade. Quando a maré explode na costa, a costa se reconstrói. Quando as folhas caem das árvores, as folhas alinham-se como uma revoada de pássaros em formação V. Quando as nuvens adquirem forma de rosto, os rostos permanecem. Quando um cano solta fumaça em uma sala, a fuligem concentra-se em um dos cantos, deixando o ar limpo. Sacadas pintadas expostas ao vento e à chuva ficam mais brilhantes com o passar do tempo. O estrondo do trovão faz um vaso quebrado restaurar-se, os cacos de uma peça de louça saltarem de volta para as posições exatas onde cabem e se encaixam. A fragrância de uma carroça de canela aumenta com o tempo, não se dissipa.

Estes acontecimentos parecem estranhos?

Neste mundo, a passagem do tempo faz aumentar a ordem. Ordem é a lei da natureza, a tendência universal, a direção cósmica. Se ótimo é uma flecha, esta flecha aponta para a ordem. O futuro é padrão, organização, união, intensificação; o passado é acaso, confusão, desintegração, dissipação.

Filósofos argumentam que, sem uma tendência no sentido de ordem, o tempo não teria significado. O futuro não poderia ser diferenciado do passado. Sequências de eventos seriam apenas inúmeras cenas aleatórias de milhares de romances. A história seria indefinida, como a bruma que lentamente se acumulou em torno dos cumes das árvores durante a noite.

Em um mundo como este, as pessoas com casas bagunçadas ficam deitadas em suas camas esperando que as forças da natureza soprem a poeira dos seus parapeitos e arrumem os sapatos em seus armários. As pessoas cujos negócios são desorganizados, podem sair e fazer um piquenique enquanto suas agendas são ordenadas, suas reuniões marcadas, suas contas equilibradas. Batons e pincéis e cartas podem ser jogadas dentro das bolsas com satisfação de que se ajeitarão automaticamente. Jardins nunca precisam ser desbastados, ervas daninhas nunca precisam ser arrancadas. Escrivaninhas ficam organizadas ao final do dia. Roupas deixadas no chão à noite encontram-se penduradas em cadeiras na manhã seguinte. Meias perdidas reaparecem.

Se um viajante chega a uma cidade n primavera, Vê outra imagem assombrosa. Pois na primavera as pessoas ficam cansadas de tanta ordem em suas vidas. Na primavera, as pessoas viram furiosamente suas casas de pernas para o ar. Varrem sujeira para dentro, destroem cadeiras, quebram janelas. Na Aarbergergasse, ou qualquer outra avenida residencial, ouve-se, na primavera, os sons de vidro quebrado, gritos, uivos, risadas. Na primavera, as pessoas se encontram sem combinar, queimam suas agendas, jogam fora seus relógios, bebem a noite interia. Este descontrole continua até o verão, quando as pessoas recuperam o juízo e voltam à ordem.

LIGHTMAN, Alan. Sonhos de Einstein. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

terça-feira, 23 de março de 2010

ENCONTRO...




OUTRAR-SE

DESFAZER-SE

QUALQUERQUASEQUANDO



"... porque o mais profundo é a pele"

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Tratar da contemporaneidade em qualquer de suas instâncias da vida, incita-nos a travar um confronto com um cotidiano ao qual estamos imersos e incertos. É falar de mudanças, passagens e processos que estão se constituindo como aquilo que chamamos vida e da qual somos feitos em composição de forças.


Quando o assunto é Arte, as misturas vão sendo ainda mais intensas. Pensar numa produção contemporânea que não se dilua nos fluxos do vivido está se tornando um desafio distante. Na interface Arte e Vida as práticas artísticas vem ganhando formas das mais variantes. Espaços-tempos vão sendo reinventados buscando uma certa outridade, alteridade radical que se embebe dos encontros. Emerge nesta perspectiva, de atrito, obras-dispositivos que se articulam como força de resistência, um ponto de reverberação que nos serve a discutir como o intempestivo se impõe como fator chave a criação de outras articulações em nossas relações e subjetividades.


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Uma aula encontro, um encontro aula... a " voz de fazer nascimentos", como dizia Manoel de Barros. Um pouco de pele porosa para fazer brotar sentido a vida que nos cerca. Um desfazer-se que é antes de mais nada abertura as passagens do corpo, seja ele no espaço ou no tempo, nos espaços-tempos.


Uma saída do cotidiano, traçados de outros caminhos,sensações... uma fuga dos entorpecimentos... uma escuta do mundo.
Gritar e parir que é êxtase e contemplação.


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Conexões Porvir...

Está na secretaria do PPGPSI (Cemuni VI) com a Soninha, um texto para nosso próximo encontro! Fica centralizado por lá... podem pegar, xerocar e devolver para quem for aparecendo!

OBS: Fica também a sugestão de fazermos um lanche compartilhado! Comes e bebes! : )

Inté!